Cistatina C sérica: uma alternativa prática para avaliação de função renal?

Or you want a quick look: Serum cystatin C: a practical alternative for renal function evaluation?

Serum cystatin C: a practical alternative for renal function evaluation?

    A taxa de filtração glomerular é o principal indicador de função renal em indivíduos saudáveis e doentes. Apesar de todo o desenvolvimento da medicina em nossos dias, ainda há dificuldade para definir-se essa taxa com precisão na prática diária. Marcadores precoces de lesão renal são importantes, porque a taxa de filtração glomerular se reduz antes do aparecimento dos sintomas ou sinais de insuficiência renal. A cistatina C tem sido apontada como uma alternativa, mas ainda não foi testada em muitas condições. Vantagens e desvantagens desse marcador foram aqui discutidas. Embora a determinação sérica da cistatina C comece a ser usada na prática clínica em todo o mundo, ainda não foram completamente esclarecidas suas limitações ou as situações em que está de fato indicada sua aplicação; por outro lado, a creatinina sérica (e sua depuração) é um marcador laboratorial facilmente acessível, de baixo custo, cujas limitações são bem conhecidas, que pode ser usado de forma rotineira para avaliação de função renal.

    cistatina c; creatinina; taxa de filtração glomerular; insuficiência renal crônica

    [external_link_head]

    Glomerular filtration rate is the main marker of renal function in healthy in>dividuals and patients. Despite incontestable advances in medicine, it is still difficult to define precisely this test in clinical practice. Early markers of renal lesion are important, because glomerular filtration rate usually decreases before the first chronic renal failure symptoms or signs appear. Cystatin C has been pointed as an alternative, but it was not tested in many diseases. Advantages and disadvantages of this marker are discussed. Although serum cystatin C determination is increasingly being used in clinical practice worldwide, its limitations as well as the conditions its use is in fact indicated are not adequately established; on the other hand serum creatinine (and creatinine clearance) is an easily available and low cost laboratory marker with well-known limitations that can be used routinely in the assessment of renal function.

    cystatin c; creatinine; glomerular filtration rate; Chronic renal failure


    ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

    Cistatina C sérica: uma alternativa prática para avaliação de função renal?

    Serum cystatin C: a practical alternative for renal function evaluation?

    Ivana Cláudia GabrielI Sonia Kiyomi NishidaIIGianna Mastroianni KirsztajnIII

    IHospital do Servidor Público Estadual (HSPE)

    IILaboratório de Imunopatologia Renal e Glomerulopatias, Setor de Glomerulopatias, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

    IIISetor de Glomerulopatias, Disciplina de Nefrologia, Departamento de Medicina, UNIFESP

    Correspondência

    RESUMO

    A taxa de filtração glomerular é o principal indicador de função renal em indivíduos saudáveis e doentes. Apesar de todo o desenvolvimento da medicina em nossos dias, ainda há dificuldade para definir-se essa taxa com precisão na prática diária. Marcadores precoces de lesão renal são importantes, porque a taxa de filtração glomerular se reduz antes do aparecimento dos sintomas ou sinais de insuficiência renal. A cistatina C tem sido apontada como uma alternativa, mas ainda não foi testada em muitas condições. Vantagens e desvantagens desse marcador foram aqui discutidas. Embora a determinação sérica da cistatina C comece a ser usada na prática clínica em todo o mundo, ainda não foram completamente esclarecidas suas limitações ou as situações em que está de fato indicada sua aplicação; por outro lado, a creatinina sérica (e sua depuração) é um marcador laboratorial facilmente acessível, de baixo custo, cujas limitações são bem conhecidas, que pode ser usado de forma rotineira para avaliação de função renal.

    Palavras-chave: cistatina c, creatinina, taxa de filtração glomerular, insuficiência renal crônica.

    ABSTRACT

    Glomerular filtration rate is the main marker of renal function in healthy in>dividuals and patients. Despite incontestable advances in medicine, it is still difficult to define precisely this test in clinical practice. Early markers of renal lesion are important, because glomerular filtration rate usually decreases before the first chronic renal failure symptoms or signs appear. Cystatin C has been pointed as an alternative, but it was not tested in many diseases. Advantages and disadvantages of this marker are discussed. Although serum cystatin C determination is increasingly being used in clinical practice worldwide, its limitations as well as the conditions its use is in fact indicated are not adequately established; on the other hand serum creatinine (and creatinine clearance) is an easily available and low cost laboratory marker with well-known limitations that can be used routinely in the assessment of renal function.

    Keywords: cystatin c, creatinine, glomerular filtration rate, Chronic renal failure.

    INTRODUÇÃO

    A avaliação precisa do nível de função renal é a chave para o diagnóstico, a monitorização e o manejo das doenças renais, bem como para o cálculo adequado de doses das drogas que são excretadas pelos rins. É fato bem estabelecido que a função renal declina de maneira progressiva na maioria das enfermidades que acometem tais órgãos, resultando em complicações como hipertensão arterial, desnutrição, anemia, osteodistrofia, neuropatia e uma qualidade de vida insatisfatória.1-3

    A taxa de filtração glomerular (TFG), definida como clearance de uma substância presente no plasma, metabolizada exclusivamente pelos rins e filtrada livremente pelos glomérulos,4 é o principal indicador de função renal. Sabe-se também que a TFG se reduz antes do aparecimento dos sintomas de insuficiência renal.

    A substância ideal a ser utilizada para sua determinação deve apresentar as seguintes características: ritmo de produção estável, manutenção constante do seu nível circulante que não deve ser influenciado por outras doenças, livre filtração pelos glomérulos e ausência de interferência tubular, como secreção ou reabsorção.2,4,5

    COMO DETERMINAR A TFG

    Até o momento, apenas substâncias exógenas têm sido consideradas como marcadores ideais para a determinação da TFG, entre elas destacam-se a inulina, o ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), o ácido etilenodiaminopentacético (DTPA), o iotalamato e, recentemente, o iohexol. Entretanto, o uso de tais substâncias é limitado a alguns protocolos ou situações em que a informação precisa sobre a função renal é mandatória, uma vez que as técnicas são caras, requerem tempo prolongado para sua realização e não são práticas para uso rotineiro.2-5

    Marcadores endógenos são de determinação menos complexa e oferecem resultados mais rápidos. Atualmente, a creatinina sérica é o marcador endógeno mais comumente utilizado na prática clínica, seja por meio de sua determinação sérica isolada ou em conjunto com a coleta de urina de 24 horas para a determinação da depuração de creatinina. A concentração da creatinina plasmática, um derivado da creatina muscular, com massa molecular de 113 Da,1 está inversamente relacionada à TFG. Entretanto, muitos fatores limitam sua acurácia, uma vez que a concentração sérica da mesma é reflexo de sua produção, é proporcional à massa muscular e é influenciada pela idade e sexo.1-4 Isso favorece uma considerável variação intra e interindividual, justificando o nível plasmático mais elevado em adultos que em crianças e em homens que em mulheres, bem como um aumento significante com o crescimento linear em crianças.6,7 Ao contrário, indivíduos que perdem massa muscular evoluem com redução na produção de creatinina e, consequentemente, em seu nível plasmático. Associado a isso, alguns fatores externos interferem em sua determinação analítica, entre os quais citam-se outras substâncias endógenas (glicose, bilirrubinas, ácido úrico, triglicerídeos, cetonas e proteínas plasmáticas) e alguns medicamentos (cefalosporinas, sulfas e cimetidina), que inibem sua secreção tubular, elevando o nível sérico sem afetar a TFG.1,2,6

    A estimativa da TFG em indivíduos idosos é extremamente difícil. É fato bem estabelecido que a função renal declina com o aumento da idade. Alguns estudos mostraram que o número de glomérulos se reduz de aproximadamente 1 milhão por rim para 600.000 ou menos em torno da 8ª década, resultando em uma diminuição na área de filtração e na permeabilidade da membrana basal glomerular, que, por sua vez, não é refletida pelo aumento da creatinina, em virtude da redução da massa muscular que ocorre em idosos.8-10.

    Outro fator que interfere na utilização da creatinina como marcador ideal da TFG é o fato de ser secretada pelos túbulos renais, superestimando, dessa forma, a TFG.4,5 Em condições normais, a depuração tubular de creatinina corresponde a aproximadamente 10 a 20% da depuração renal dessa substância.2 Como o percentual de creatinina depurada do plasma por secreção depende de seu nível plasmático e da massa de tecido tubular funcionante, em algumas situações a depuração tubular da creatinina pode atingir 50 a 70% da depuração renal.

    READ  Wardah Lightening Serum Ampoule – Review Female Daily

    Com o intuito de superar essas limitações, muitas fórmulas têm sido desenvolvidas para estimar a depuração de creatinina, utilizando a concentração sérica de creatinina e dados antropométricos.11,12 Em 1973, Cockcroft e Gault publicaram uma fórmula que levava em consideração a idade e o peso, mas não a raça. Tal equação foi desenvolvida primariamente em indivíduos do sexo masculino e a extensão de sua aplicabilidade para o sexo feminino foi feita por meio de um ajuste arbitrário de 85%.12 Os resultados não foram corrigidos para a área de superfície corpórea e foram expressos em mL/min. A fórmula de Cockcroft-Gault foi rapidamente difundida e aceita, em virtude da facilidade de seu cálculo e aplicabilidade clínica;7,12 entretanto, sabe-se que tal fórmula superestima a TFG em virtude da secreção tubular de creatinina, particularmente na presença de proteinúria.7,12

    Em 1999, uma equação matemática mais complexa foi publicada, baseada na análise dos dados obtidos por meio do estudo Modification of Diet in Renal Disease (MDRD).7,12-14 A estimativa da TFG baseada no MDRD levava em consideração dados de idade, sexo, etnia, creatinina sérica, nitrogênio ureico e albumina sérica. Um ano mais tarde, uma versão simplificada da equação do MDRD original foi apresentada, utilizando apenas dados de idade, sexo, etnia e creatinina sérica.7,12,14 Essa equação foi incluída como marcador da TFG nas Practice Guidelines for Chronic Kidney Disease, publicadas em 2002 pelo Kidney Disease Outcomes Quality Initiative of the National Kidney Foundation (K/DOQI).7

    Nos últimos anos, diversas proteínas plasmáticas de baixo peso molecular vêm sendo estudadas com o intuito de se identificar um melhor marcador de TFG. Em 1985, demonstrou-se que a cistatina C é ao menos equivalente à creatinina sérica, como marcador de função renal.5

    CISTATINA C

    A cistatina C é uma proteína catiônica não glicosilada, cujo ponto isoelétrico é 9,3.15 Sua massa molecular é de 13.359 Da, sendo um constituinte da superfamília das cistatinas, que, por sua vez, é composta por 12 proteínas ( Tabela 1).15,16 É um potente inibidor de proteases cisteínicas (como as catepsinas humanas B, H e L),17 composta de 120 aminoácidos dispostos em uma cadeia polipeptídica simples, cuja sequência foi determinada em 1981.6,7,15,17 É sintetizada como uma pré-proteína.17 Estudos subsequentes demonstraram que a cistatina C é produzida num ritmo constante por todas as células nucleadas e está presente nos líquidos biológicos.1-6,18

    [external_link offset=1]

    Ela é livremente filtrada pelos glomérulos (em virtude de seu baixo peso molecular em combinação com uma carga elétrica positiva)4,5,19 e, segundo estudos iniciais, sua concentração sérica independe da idade, sexo, dieta, massa muscular e peso corporal.5,16- 20 Dessa forma, não foi relatada diferença relevante entre os valores de referência para o sexo feminino e o masculino. Em crianças saudáveis, a concentração de cistatina C se estabiliza no segundo ano de vida e o valor de referência é idêntico ao dos adultos.7,15

    A cistatina C é quase completamente catabolizada no túbulo proximal, assim como outras proteínas de baixo peso molecular. Porém, ao contrário dessas (como a ß2-microglobulina que tem 11,8 kDa),21 seu nível sérico parece não ser afetado por outras condições extrarrenais, como inflamação e neoplasias.3,7,15,22 Por ser reabsorvida e metabolizada a nível tubular, 22,23 a cistatina C não retorna à circulação em sua forma intacta e sua concentração urinária é praticamente indetectável.3,24

    O gene que codifica a cistatina C foi sequenciado e localiza-se no cromossomo 20.21,24 A estrutura do gene parece ser do tipo housekeeping, que é compatível com um ritmo de produção estável pela maioria das células nucleadas.7,15,22,24,25

    Os aspectos aqui expostos introduziram a ideia de que os níveis séricos de cistatina C seriam indicadores melhores da TFG que a creatinina, fato esse que vem sendo confirmado por uma série de estudos.3,5,8- 10,15,18,26-29 Por outro lado, alguns poucos estudos não evidenciaram diferença significante entre as determinações sanguíneas de cistatina C e de creatinina para esse fim.5,30,31

    Na população pediátrica, tem-se demonstrado vantagem da cistatina C sobre a creatinina sérica, particularmente na detecção de mudanças pequenas e precoces na TFG, uma vez que, nessa população, a massa muscular reduzida, principalmente em crianças com idade inferior a 4 anos, resulta em um valor muito baixo de creatinina sérica.32 A concentração sérica de cistatina C está elevada no primeiro dia de vida, evoluindo com uma rápida redução nas semanas seguintes. Por outro lado, a concentração de creatinina sérica aumenta com a idade, até o início da adolescência, em virtude do ganho de massa muscular que ocorre com o crescimento.26

    Mais recentemente, Bokenkamp et al.33 relataram que a cistatina C sérica é maior em crianças submetidas a transplante renal que em crianças portadoras de outras doenças renais, embora a TFG seja semelhante. Em função desse achado, levantou-se a hipótese de que a imunossupressão seria o principal fator com potencial de influenciar tais resultados, uma vez que todos os pacientes receberam prednisona e ciclosporina A.

    Bjarnadóttir et al.,34 procurando desvendar a eventual contribuição de uma dessas medicações sobre os níveis de cistatina C, realizaram um estudo in vitro no qual células HeLa foram expostas a diferentes concentrações de dexametasona. Foi, então, observado um aumento dose-dependente na produção de cistatina C por células expostas ao corticoide.

    Em 2001, Risch et al.35 publicaram estudo prospectivo realizado com o intuito de esclarecer a influência da imunossupressão com glicocorticoide sobre a concentração sérica da cistatina C em pacientes submetidos a transplante renal. Nesse trabalho, 20 pacientes recebendo baixa dose de corticoide foram comparados a 20 pacientes em uso de ciclosporina isolada e 20 pacientes tratados com ciclosporina em associação com azatioprina. Além disso, 13 pacientes receberam um curso rápido de altas doses de metilprednisolona. Esse estudo demonstrou que pacientes recebendo corticoide apresentavam níveis séricos de cistatina C superiores aos dos grupos que não receberam tal imunossupressor. Além disso, os níveis de cistatina C foram significativamente maiores no grupo que recebeu altas doses de metilprednisolona quando comparado aos do grupo que recebeu baixa dose de prednisona. Esse achado demonstra uma relação dose-dependente, embora tal aumento tenha sido transitório, uma vez que, em média, 8 dias após a suspensão da metilprednisolona, a concentração sérica de cistatina C havia retornado ao nível basal.

    Alguns outros trabalhos evidenciaram elevação no nível sérico de cistatina C relacionada a altas doses de corticoide, em pacientes portadores de asma brônquica, hemorragia subaracnoidea e oftalmopatia severa secundária à Doença de Graves.36-39 Entretanto, os mecanismos envolvidos nessas mudanças ainda não estão bem esclarecidos.

    Por outro lado, em 2002, foram publicados dados de um estudo realizado com crianças portadoras de síndrome nefrótica idiopática, córtico-sensível, tratadas de acordo com o protocolo do German Working Group for Pediatric Nephrology, segundo os quais a concentração sérica de cistatina C não foi afetada pela administração de altas doses de corticoide.40

    É fato conhecido que a função tireoideana pode interferir no nível sérico de creatinina. Foi demonstrado que os pacientes com hipotireoidismo apresentavam níveis de creatinina mais elevados, enquanto pacientes com hipertireoidismo apresentavam níveis menores. Após o tratamento e consequente estado de eutireoidismo, os níveis se reduziram e se elevaram, respectivamente. Diante disso, estudos foram realizados com o intuito de se identificar uma possível interferência dos hormônios tireoideanos sobre os níveis de cistatina C. Observou-se que, ao contrário do que ocorre com a creatinina, a concentração sérica de cistatina C é menor no estado de hipotireoidismo e maior no hipertireoidismo, quando comparada àquela observada no estado de eutireoidismo.

    Possíveis explicações para esses achados baseiam-se nos efeitos dos hormônios tireoideanos sobre a hemodinâmica renal, a homeostase renal de sal e água e o transporte tubular ativo de sódio, potássio e íons hidrogênio. No que se refere à creatinina, é possível que sua secreção tubular esteja reduzida no hipotireoidismo e aumentada no estado oposto. Já no que tange à cistatina C, como o estado tireoideano influencia o metabolismo geral, ele pode influenciar a sua produção.41,42

    Outro aspecto que exige atenção é a interferência da ingestão de proteínas e mesmo do estado nutricional na avaliação da função renal. Em estudo recente, envolvendo um grande número de pacientes com doença renal crônica moderada a severa, a cistatina C sérica, diferentemente da creatinina sérica, não foi afetada pelo conteúdo proteico da dieta independente de mudanças na TFG, indicando que a cistatina pode fornecer estimativas mais precisas da TFG que a creatinina em pacientes com ingestão reduzida de proteínas.43 Há indícios de que os níveis de cistatina C não são afetados pela desnutrição, enquanto os de creatinina caem, fazendo com que a TFG seja superestimada.44

    READ  Boots No 7 Review: A Review of The 10 Most Popular No 7 Skin Care Products – The Dermatology Review

    Cistatina C parece ser também uma alternativa na avaliação da função renal em indivíduos com grande massa muscular, quando se suspeita de déficit de função renal discreto.45 Nesse último estudo, foi possível observar que peso corporal e massa magra não se correlacionaram com os níveis séricos de cistatina. Também em indivíduos obesos, existem dificuldades para avaliar a função renal e a falta de consenso entre os estudos. Na avaliação de obesos, constatou-se que a adiposidade está associada aos níveis séricos de cistatina. Contrariando as expectativas de que seria um marcador adequado, contatou-se que, nesse grupo, fórmulas baseadas na cistatina C superestimam a TFG nos níveis de índice de massa corporal (IMC) mais elevados.46

    Vale salientar que, também no caso da cistatina C, como vem acontecendo com a creatinina sérica, foram desenvolvidas fórmulas nos últimos anos com o objetivo de melhor avaliar a função renal, estimando a TFG,20,22,27,47-51 como listado Tabela 2.

    Algumas dessas fórmulas que envolvem a cistatina C apresentaram, segundo os investigadores que as utilizaram, melhor desempenho que equações que utilizam a creatinina20,47,48 ou foram similares.27,49 Para alguns, a combinação das dosagens séricas de creatinina e cistatina C em fórmulas foi a melhor opção, particularmente quando foram levados em conta dados demográficos.51-54 Porém, não há consenso ainda quanto à superioridade das fórmulas que envolvem a cistatina, nem mesmo a combinação dos dois marcadores, considerando-se que, possivelmente, elas não são adequadas para uso em diferentes populações, como testado por Urbaniak et al.55

    Deve-se ter em mente, entretanto, que foram realizados ou estão em andamento numerosos estudos, para se definir melhor o papel da cistatina C. Um desses demonstrou, recentemente, que ela identificou com maior precisão que a creatinina sérica quais indivíduos evoluiriam com complicações cardiovasculares numa grande população com doença renal crônica, divisando-se assim que a cistatina C pode ser um importante marcador de risco nesse grupo de indivíduos.56,57 Eriksen et al. argumentam com base nos resultados que encontraram, avaliando um grupo de indivíduos bastante representativo, que estimativas da TFG baseadas na cistatina C não são superiores às da creatinina quando se fala da população geral, e que o melhor desempenho anteriormente descrito na identificação de risco cardiovascular pode dever-se a outros fatores que não a TFG em si.58

    Os idosos representam hoje uma grande preocupação no que se refere à determinação da TFG. Em revisão sistemática recente da literatura,59 concluiu-se que não existe ainda um método preciso para avaliar a função renal nesse grupo de indivíduos, mas a cistatina C, assim como as fórmulas de Cockcroft-Gault e MDRD são parâmetros úteis - embora as evidências favoráveis a um ou outro marcador ainda sejam insuficientes.

    Por fim, uma condição em que a utilização da cistatina C parece particularmente promissora é a lesão renal aguda, na qual tem-se revelado um biomarcador preciso para detecção precoce e, em populações selecionadas, mostrou-se superior à creatinina em alguns estudos; de qualquer forma, os resultados ainda são inconsistentes. Os investigadores questionam ainda se ela é custo-efetiva em relação à creatinina e se os dois testes teriam papéis complementares.60

    Do ponto de vista prático, vale lembrar que a determinação da cistatina C, como marcador direto de função renal, pode ser feita em soro ou plasma, nas mesmas condições de coleta da creatinina. Os valores de referência variam conforme o kit e cada laboratório deve fazer a verificação dos valores de referência. No Brasil, esse exame não está disponível na maioria dos serviços e seu custo ainda é elevado; em alguns laboratórios de qualidade reconhecida no país que realizam tal exame, o custo é de aproximadamente oito vezes o da creatinina.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A determinação sérica da cistatina C começa a ser usada na prática clínica em todo o mundo, mas ainda não foram completamente esclarecidas suas limitações ou as situações em que está de fato indicada sua aplicação. Aqui procuramos mostrar as vantagens e desvantagens já conhecidas desse teste laboratorial, que tem sido visto como promissor na avaliação da TFG.

    Vale salientar que sua determinação ainda é de alto custo em nosso meio, o que se constitui em mais um motivo para estar atento à sua real contribuição no acompanhamento de diferentes doenças/distúrbios renais. Enquanto tais aspectos não estiverem bem estabelecidos, aconselhamos não desprezar outros testes, como a dosagem sérica de creatinina, cujas limitações são bem conhecidas e podem, ao menos em parte, ser contornadas.

    Data de submissão: 02/12/2010

    Data de aprovação: 14/02/2011

    O referido estudo foi realizado no Setor de Glomerulopatias do Departamento de Medicina (Nefrologia) da Unifesp.

    Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

    • 1

      Stevens LA, Coresh J, Greene T, Levey AS. Assessing kidney function - measured and estimated glomerular filtration rate. N Engl J Med 2006; 354:2473-83.

    • 2

      Hojs R, Bevc S, Ekart R, Gorenjak M, Puklavec L. Serum cystatin C as an endogenous marker of renal function in patients with mild to moderate impairment of kidney function. Nephrol Dial Transplant 2006; 21:1855-62.

    • 3

      Martinez IKH, Simón DJ. Utilidad clínica de la cistatina C como marcador de función renal. An Med Asoc Med Hosp ABC 2003; 48:216-22.

    • 4

      Deinum J, Derk FHM. Cystatin for estimation of glomerular filtration rate? Lancet 2000; 6:1624-5.

    • 5

      Dharnidharka VR, Kwon C, Stevens G. Serum cystatin C is superior to serum creatinine as a marker of kidney function: A meta-analysis. Am J Kidney Dis 2002; 40:221-6.

    • 6

      Bökenkamp A, Domanetzki M, Zinck R, Schumann G, Byrd D, Brodenl J. Cystatin C - A new marker of glomerular filtration rate in children independent of age and height. Pediatrics 1998; 101(5):875-81.

    • 7

      Rosenthal SH, Bökenkamp A, Hofmann W. How to estimate GFR-serum creatinine, serum cystatin C or equations? Clin Biochem 2007; 4:153-61.

    • 8

      Finney H, Bates CJ, Price CP. Plasma cystatin C determinations in a healthy elderly population. Arch Gerontol Geriatr 1999; 29:75-94.

    • 9

      Ognibene A, Mannucci E, Caldini A, Terreni A, Brogi M, Bardini G, et al Cystatin C reference values and aging. Clin Biochem 2006; 39:658-61.

    • 10

      Burkhardt H, Bojarsky G, Gladisch R. Diagnostic efficiency of cystatin C and creatinine as markers of reduced glomerular filtration rate in the elderly. Clin Chem Lab Med 2002; 40:1135-8.

    • 11

      Sjöström P, Tidman M, Jones I. Determination of the production rate and non-renal clearance of cystatin C and estimation of the glomerular filtration rate from the serum concentration of cystatin C in humans. Scand F Clin Lab Invest 2005; 65:111-24.

    • 12

      Poggio ED, Hall PM. Estimation of glomerular filtration rate by creatinine - based formulas: any room for improvement? Nephrol Self-Assessment Program 2006; 5:131-40.

    • 13

      Seronie-Vivien S, Toullec S, Malard L, Thomas F, Chatelut E. Contribution of the MDRD equation and of cystatin C for renal function estimates in cancer patients. Med Oncol 2006; 23:63-73.

    • 14

      Lupovitch A. More accurate alternatives to serum creatinine for evaluating glomerular filtration rate. Clin Chem 2002; 48:2297-8.

    • 15

      Filler G, Bökenkamp A, Hofmann W, Le Bricon T, Martínez-Brú C, Grugg A. Cystatin C as a marker of GFR-history, indications, and future research. Clin Biochem 2005; 38:1-8.

    • 16

      Shimizu-Tokiwa A, Kobata M, Io H, Kobayashi N, Shou I, Funabiki K, et al Serum cystatin C is a more sensitive marker of glomerular function than serum creatinine. Nephron 2002; 92:224-6.

    • 17

      Abrahamson M, Mason RW, Hansson H, Buttle DJ, Grubb A, Ohlsson K. Human cystatin C - Role of the N-terminal segment in the inhibition of human cysteine proteinases and in its inactivation by leucocyte elastase. Biochem J 1991; 273:621-6.

    • 18

      Jung K, Jung M. Cystatin C. A promising marker of glomerular filtration rate to replace creatinine. Nephron 1995; 70:370-1.

    • 19

      Curhan G. Cystatin C. A marker of renal function or something more? Clin Chem 2005; 51:294.

    • 20

      Hoek FJ, Kempermen FAW, Krediet RT. A comparison between cystatic C, plasma creatinine and the Cockcroft and Gault for the estimation of glomerular filtration rate. Nephrol Dial Transplant 2003; 18:2024-31.

    • 21

       Bökenkamp A, Grabensee A, Stoffel-Wagner B, Hasan C, Henne T, Offner G, et al The ß2-microblobulin/cystatin C ratio - a potential marker of post-transplant lymphoproliferative disease. Clin Nephrol 2001; 58:417-22.

    • 22

      Tan GD, LEWIS AV, James TJ, Altmann P, Taylor RP, Levy JC. Clinical usefulness of cystatin C for the estimation of glomerular filtration rate in type 1 diabetes: reproducibility and accuracy compared with standard measures and iohexol clearance. Diabetes Care 2002; 25:2004-9.

    • 23

      Seco ML, Rus A, Sierra M, Caballero M, Borque L. Determination of serum cystatin C in patients with essential hypertension. Nephron 1999; 81:446-7.

    • 24

      Uchida K, Gotoh A. Measurement of cystatin C and creatinine in urine. Clin Chim Acta 2002; 323:121-8.

      [external_link offset=2]
    • 25

      Demirtas S, Akan O, Can M, Elmali E, Akan H. Cystatin C can be affected by nonrenal factors: A preliminary study on leukemia. Clin Biochem 2006; 39:115-8.

    • 26

      Bökenkamp A, Domanetzki M, Zinck R, Schumann G, Brodehl J. Reference values for cystatin C serum concentration in children. Pediatr Nephrol 1998; 12:125-9.

    • 27

      Rule AD, Bergstralh EJ, Slezak JM, Bergert J, Larson TS. Glomerular filtration rate estimated by cystatin C among different clinical presentations. Kidney Int 2006; 69:399-405.

    • 28

      Filler G, Priem F, Lepage N, Sinha P, Vollmer I, Clark H, et al ß-trace protein, cystatin C, ß2-microglobulin, and creatinine compared for detecting impaired glomerular filtration rates in children. Clin Chem 2002; 48:729-36.

    • 29

      Nitta K, Hayashi T, Uchida K, Honda K, Tsukada M, Sekine S, et al Serum cystatin C concentration as a marker of glomerular filtration rate in patients with various renal diseases. Intern Med 2002; 41:931-5.

    • 30

      Willems HL, Hilbrands LB, Van De Calseyde JF, Monnens LA, Swink DW. Is serum cystatin C the marker of choice to predict glomerular filtration rate in paediatric patients? Ann Clin Biochem 2003; 40(Pt 1):60-4.

    • 31

      Daniel JP, Chantrel F, Offner M, Moulin B, Hannedouche T. Comparison of cystatin C, creatinine and creatinine clearance vs. GFR for detection of renal failure in renal transplant patients. Ren Fail 2004; 26:253-7.

    • 32

      Laterza OF, Price CP, Scott MG. Cystatin C. An improved estimator of glomerular filtration rate? Clin Chem 2002; 48:699-707.

    • 33

      Bokenkamp A, Domanetzki M, Zinck R, Schumann G, Byrd D, Brodehl J. Cystatin C serum concentrations underestimate glomerular filtration rate in renal transplant recipients. Clin Chem 1999; 45:18668.

    • 34

      Bjarnadóttir M, Grubb A, Ólafsson I. Promoter-mediated, dexamethasone-induced increase in cystatin C production by HeLa cells. Scand J Clin Lab Invest 1995; 55:617-23.

    • 35

      Risch L, Herklotz R, Blumberg A, Huber A. Effects of glucocorticoid immunosupression on serum cystatin C concentrations in renal transplant patients. Clin Chem 2001; 47:2055-9.

    • 36

      Risch L, Huber AR. Glucocorticoids and increased serum cystatin C concentrations. Clin Chim Acta 2002; 320:113-34.

    • 37

      Risch L, Saely C, Reist U, Reist K, Hefti M, Huber A. Course of glomerular filtration rate markers in patients receiving high-dose glucocorticoids following subarachnoidal hemorrhage. Clin Chim Acta 2005; 360:205-7.

    • 38

      Manetti L, Genovesi M, Grasso L, Lupi I, Morselli LL, Martino E. Early effects of methylprednisolone infusion on serum cystatin C in patients with severe Graves'ophthalmopathy. Clin Chim Acta 2005; 356:227-8.

    • 39

      Cimerman N, Brguljan PM, Krasovel M, Suskovic S, Kos J. Serum cystatin C, a potent inhibitor of cysteine proteinases, is elevated in asthmatic patients. Clin Chim Acta 2000; 300:83-95.

    • 40

      Bokenkamp A, van Wijk JAE, Lentze MJ, Stoffel-Wagner B. Effect of corticosteroid therapy on serum cystatin C and ß2-microglobulin concentrations. Clin Chem 2002; 48:1123-6.

    • 41

      Hollander JG, Wulkan RW, Mantel MJ, Berghout A. Is cystatin C a marker of glomerular filtration rate in thyroid dysfunction? Clin Chem 2003; 49:1558-9.

    • 42

      Manetti L, Pardini E, Genovesi M, Campomori A, Grasso L, Morselli LL, et al Thyroid function differently affects serum cystatin C and creatinine concentrations. J Endocrinol Invest 2005; 28:346-9.

    • 43

      Tangri N, Stevens LA, Schmid CH, Zhang YL, Beck GJ, Greene T, Coresh J, Levey AS. Changes in dietary protein intake has no effect on serum cystatin C levels independent of the glomerular filtration rate. Kidney Int 2011; 79:471-7.

    • 44

      Hari P, Bagga A, Mahajan P, Lakshmy R. Effect of malnutrition on serum creatinine and cystatin C levels. Pediatr Nephrol 2007; 22:1757-61.

    • 45

      Baxmann AC, Ahmed MS, Marques NC, Menon VB, Pereira AB, Kirsztajn GM, et al Influence of muscle mass and physical activity on serum and urinary creatinine and serum cystatin C. Clin J Am Soc Nephrol 2008; 3:348-54.

    • 46

      Vupputuri S, Fox CS, Coresh J, Woodward M, Muntner P. Differential estimation of CKD using creatinine- versus cystatin C-based estimating equations by category of body mass index. Am J Kidney Dis 2009; 53:993-1001

    • 47

      Grubb A, Bjork J, Lindstrom V, Sterner G, Bondesson P, Nyman U. A cystatin C-based formula without anthropometric variables estimates glomerular filtration rate better than creatinine clearance using the Cockcroft-Gault formula. Scand J Clin Lab Invest 2005; 65:153-62.

    • 48

      Grubb A, Nyman U, Bjork J, Lindstrom V, Rippe B, Sterner G, et al Simple cystatin C-based prediction equations for glomerular filtration rate compared with the modification of diet in renal disease prediction equation for adults and the Schwartz and the Counahan-Barratt prediction equations for children. Clin Chem 2005; 51:1420-31.

    • 49

      MacIsaac RJ, Tsalamandris C, Thomas MC, Premaratne E, Panagiotopoulos S, Smith TJ, et al Estimating glomerular filtration rate in diabetes: a comparison of cystatin-C- and creatinine-based methods. Diabetologia 2006; 49:1686-9.

    • 50

      Larsson A, Malm J, Grubb A, Hansson LO. Calculation of glomerular filtration rate expressed in mL/min from plasma cystatin C values in mg/L. Scand J Clin Lab Invest 2004; 64:25-30.

    • 51

      Stevens LA, Coresh J, Schmid CH, Feldman HI, Froissart M, Kusek J, et al Estimating GFR using serum cystatin C alone and in combination with serum creatinine: a pooled analysis of 3,418 individuals with CKD. Am J Kidney Dis 2008; 51:395-406.

    • 52

      Rigalleau V, Beauvieux MC, Lasseur C, Chauveau P, Raffaitin C, Perlemoine C, et al The combination of cystatin C and serum creatinine improves the monitoring of kidney function in patients with diabetes and chronic kidney disease. Clin Chem 2007; 53:1988-9.

    • 53

      Ma YC, Zuo L, Chen JH, Luo Q, Yu XQ, Li Y, et al Improved GFR estimation by combined creatinine and cystatin C measurements. Kidney Int 2007; 72:1535-42.

    • 54

      Tidman M, Sjostrom P, Jones I. A comparison of GFR estimating formulae based upon s-cystatin C and s-creatinine and a combination of the two. Nephrol Dial Transplant 2008; 23:154-60.

    • 55

      Urbaniak J, Weyde W, Smolska D, Zagocka E, Klak R, Kusztal M, et al S-cystatin C formulae or combination of scystatin C and s-creatinine formulae do not improve prediction of GFR. Nephrol Dial Transplant 2008; 23:2425-6.

    • 56

      Peralta CA, Katz R, Sarnak MJ, Ix J, Fried LF, De Boer I, Palmas W, et al Cystatin C identifies chronic kidney disease patients at higher risk for complications. J Am Soc Nephrol 2011; 22:147-55.

    • 57

      Wu CK, Lin JW, Caffrey JL, Chang MH, Hwang JJ, Lin YS. Cystatin C and long-term mortality among subjects with normal creatinine-based estimated glomerular filtration rates: NHANES III (Third National Health and Nutrition Examination Survey). J Am Coll Cardiol 2010; 56:1930-6.

    • 58

      Eriksen BO, Mathisen UD, Melsom T, Ingebretsen OC, Jenssen TG, Njølstad I, et al. Cystatin C is not a better estimator of GFR than plasma creatinine in the general population. Kidney Int 2010; 78:1305-11.

    • 59

      Van Pottelbergh G, Van Heden L, Matheï C, Degryse J. Methods to evaluate renal function in elderly patients: a systematic literature review. Age Ageing 2010; 39:542-8.

    • 60

      Bagshaw SM, Bellomo R. Cystatin C in acute kidney injury. Curr Opin Crit Care. Epub ahead of print 2010 Aug 21.

    • Publicação nesta coleção

      30 Ago 2011
    • Data do Fascículo

      Jun 2011
    • Recebido

      02 Dez 2010
    • Aceito

      14 Fev 2011

    [external_footer]
    See more articles in the category: serum

    Leave a Reply